terça-feira, 20 de dezembro de 2016

A Bíblia Vernacular

Este texto baseia-se no Capítulo 1 do livro "The Enlightenment Bible" (A Bíblia do Iluminismo), escrito por Jonathan Sheehan, cujo tema é "A Bíblia Vernacular: A Reforma e o Barroco" (sendo o original "The vernacular Bible: Reformation and Baroque"). O livro, de forma geral, aborda os aspectos inerentes à criação da bíblia, assim como suas traduções e as relações religiosas e políticas que ela exerce sobre seus leitores. Segundo Sheehan, "a Reforma fez da Bíblia Protestante o motor da vida política, religiosa e imaginativa, um mecanismo defendido e bem amado no século XIX".


"Igualada firmemente com a Palavra de Deus e sendo atribuída com autonomia aparentemente infinita, a Bíblia proveu uma armadura teórica a movimentos que incluíram iconoclastas violentos como Thomas Müntzer, os Luteranos em Wittenberg, e os peões radicais nas florestas do sul e centro da Alemanha. Dentro de duas décadas após 1517, a autoridade bíblica foi o grito de guerra de uma série de novos movimentos religiosos que juntos prometiam mudar para sempre a natureza da sociedade européia." Alguns exemplos de movimentos reformistas citados pelo autor são o anabatismo, calvinismo, espiritualismo e o zwinglianismo.


Diferentes interpretações bíblicas começaram a emergir e ser questionadas, devido às diferenças quanto à vertente que cada versão seguia - enquanto algumas bíblias (como a Bíblia de Genebra e a Bíblia do Rei James) adotavam como base para a tradução a Bíblia Grega, enquanto outras (como a Bíblia de Tyndale) seguiam a Bíblia Latina. Consequentemente, passagens como "toda escritura é inspirada por Deus e proveitosa ao ensino" pode ser transformada em "toda escritura inspirada por Deus é proveitosa ao ensino". Tal divergência resulta da presença ou ausência da palavra grega και´("e"), e este é apenas um de outros possíveis problemas presentes nas traduções de tais escrituras.


"Historicamente, esse foi o momento em que novos tradutores surgiram. Por um lado, novas traduções trouxeram iluminação àquele abismo entre o céu e a terra. Ao chamar a atenção tanto para os livros que elas produzem quanto às diferenças que podem se esconder entre o original e a mais nova versão, as traduções bíblicas historicamente forçaram a abertura de um conjunto de perguntas incômodas, como: O que acontece com a Palavra de Deus quando ela é manipulada pela arte humana? Que papel a tradução pode desempenhar ao transmitir o mais sagrado dos ensinamentos aos ignorantes? Como pode esse produto derivado ser atribuído com poder suficiente para garantir sua própria sobrevivência e transmissão? Mas, por outro lado, tradutores cristãos da bíblia têm também escondido essa brecha, construindo pontes entre a palavra de Deus e as línguas humanas, de forma que elas possam uma vez mais parecer unificadas."

"Para todos os grandes reformadores do século XVI - luteranos, calvinistas e anglicanos - a tradução vernácula era o pilar de seus credos. 'As traduções são ordenadas por Deus, como Regulamento e constituição do próprio Céu', pois só através da tradução vernácula a Bíblia católica poderia ser desautorizada e revelada como um texto contingente usado para servir interesses humanos particulares." O autor também indica que a tradução poderia libertar a bíblia da opressão da igreja católica, além de revelar um lado humano no texto bíblico - que foi por tanto tempo santificada e idealizada.


Fonte: Fonte: SHEEHAN, Jonathan, 2005. The Enlightenment Bible: translation, scholarship, culture. Princeton University Press, pp. 1-25

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