quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

A Renascença e os ideais (Política e Poder)

Difícil falar dos ideais políticos do movimento renascentista sem fazer um pequeno passeio pelo movimento iluminista. Para isso, começamos relembrando alguns porquês desse último movimento.
O iluminismo ou século das luzes é datado a partir do final do século XVII, estendendo-se pelo século XVIII. As primeiras manifestações (se é que assim podemos chamar) do movimento, se dão na França através de trabalhos de René Descartes. O movimento surge como inovação aos moldes outrora estabelecidos na sociedade, tendo como objetivo principal promover a razão humana. Se antes a igreja (e Deus) centralizavam conhecimento [principalmente], agora o homem é impulsionado a participar das decisões acerca de si mesmos. Kant (1784) define o movimento da seguinte forma

O iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma tutelagem que estes mesmos se impuseram a si. Tutelados são aqueles que se encontram incapazes de fazer uso da própria razão independentemente da direção de outrem. É-se culpado da própria tutelagem quando esta resulta não de uma deficiência do entendimento mas da falta de resolução e coragem para se fazer uso do entendimento independentemente da direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem para fazer uso da tua própria razão! - esse é o lema do iluminismo

Sem dúvidas, o movimento tem reflexos ainda nos dias de hoje. Não é à toa que uma frase célebre e conhecida mundialmente é ainda hoje proferida por muitos: “Penso, logo existe” de René Descartes. Essa frase é senão a chave de abertura do movimento como manifestação intelectual, afinal tira o homem do lugar de marginalidade e o coloca em posição privilegiada. Esse movimento de para fora do homem é o início do progresso que tanto o movimento vai pregar. O homem não mais é refém de suas próprias projeções. A ideia de Século das Luzes pauta-se nisso: o homem é livre e capaz de tecer seus próprios interesses. Assim, pensar em Luz como sinônimo da quebra do homem com aquilo que lhe era imposto para, agora, refletir e ter poder sobre suas próprias reflexões e escolhas faz total sentido.
O iluminismo é declaradamente um movimento intelectual, tanto o é que dentre os pensadores da época encontramos Voltaire, René Descartes, Immanuel Kant, Jean-Jacques Rousseau, Montesquieu, Denis Diderot, Jean Le Rond d´Alembert, John Locke.

John Locke (1632-1704), ele acreditava que o homem adquiria conhecimento com o passar do tempo através do empirismo;
Voltaire (1694-1778), ele defendia a liberdade de pensamento e não poupava crítica à intolerância religiosa;
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), ele defendia a ideia de um estado democrático que garanta igualdade para todos;
Montesquieu (1689-1755), ele defendeu a divisão do poder político em Legislativo, Executivo e Judiciário;
Denis Diderot (1713-1784) e Jean Le Rond d´Alembert (1717-1783), juntos organizaram uma enciclopédia que reunia conhecimentos e pensamentos filosóficos da época.
Immanuel Kant (1724-1804) - importante filósofo alemão, desenvolveu seus pensamentos nas áreas da epistemologia, ética e Metafísica.

Como podemos observar, todos esses filósofos pregavam um estado decentralizado e, em certa medida, questionavam o poder da igreja. O antropocentrismo e a razão eram a base política do movimento. É importante ressaltar, nesse sentido, a importância do Renascimento na mudança que a Europa passava desde o século XVI até o final do Iluminismo.

RENASCIMENTO

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/2/22/Da_Vinci_Vitruve_Luc_Viatour.jpg/800px-Da_Vinci_Vitruve_Luc_Viatour.jpgO Renascimento é um período histórico da Europa entre os séculos XVI e XVIII (há controvérsias acerca dessa datação) que tem evidentes mudanças na culturasociedadeeconomiapolítica e religião, uma vez que marca a transição do Feudalismo para o Capitalismo na Europa. Iniciou-se na cidade de Toscana, na Itália.
O Renascimento tem seus ideais fundamentados no humanismo. “O humanismo afirma a dignidade do homem e o torna o investigador por excelência da natureza.” (Wikipédia). A imagem a seguir marca bem essa transição europeia que tira a igreja e Deus do centro de tudo e coloca o homem como protagonista das ações sociais.

O Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci é um desenho famoso que acompanhava as notas feitas pelo artista por volta do ano 1490 num dos seus diários. Descreve uma figura masculina nua separada e simultaneamente em duas posições sobrepostas com os braços inscritos num círculo e num quadrado.[1] A cabeça é calculada como sendo um oitavo da altura total. Às vezes, o desenho e o texto são chamados de Cânone das Proporções.
O desenho atualmente faz parte da coleção da Gallerie dell'Accademia (Galeria da Academia) em Veneza, Itália.
Examinando o desenho, pode ser notado que a combinação das posições dos braços e pernas formam quatro posturas diferentes. As posições com os braços em cruz e os pés são inscritas juntas no quadrado. Por outro lado, a posição superior dos braços e das pernas é inscrita no círculo. Isto ilustra o princípio que na mudança entre as duas posições, o centro aparente da figura parece se mover, mas de fato o umbigo da figura, que é o verdadeiro centro de gravidade, permanece imóvel.

A igreja também passará, nessa época, por mudanças marcantes. Martinho Lutero é o ícone da vez com a Reforma Protestante, século XVI. Já pela datação percebemos que as mudanças na Europa se dão em todos os setores. E na religião não seria diferente. A igreja, principalmente a católica, nesse momento, passará por um período de conflitos, pois Lutero, em 95 teses, vai protestar contra o panorama doutrinário da Igreja Católica Romana. Isso culminará, fatalmente, no movimento de Contrarreforma promovido pela Igreja Católica.
Dentre os questionamentos de Lutero, estão...

1.       Os conflitos políticos entre autoridades da Igreja Romana e governantes das monarquias europeias, tais governantes desejavam para si o poder espiritual e ideológico da Igreja e do Papa, muitas vezes para assegurar o direito divino dos reis;
2.       Práticas como a usura eram condenadas pela ética católica romana, assim a burguesia capitalista que desejava altos lucros econômicos sentiria-se mais "confortável" se pudesse seguir uma nova ética religiosa, adequada ao espírito capitalista, necessidade que foi atendida pela ética protestante e conceito de Lutero de que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei (Romanos 3:28) (Sola fide); Algumas causas econômicas para a aceitação da Reforma foram o desejo da nobreza e dos príncipes de se apossar das riquezas da igreja romana e de ver-se livre da tributação papal que, apesar de defender a simplicidade, era a instituição mais rica do mundo. Também na Alemanha, a pequena nobreza estava ameaçada de extinção em vista do colapso da economia senhorial. Muitos desses pequenos nobres desejavam as terras da igreja. Somente com a Reforma, estas classes puderam expropriar as terras;
3.       Durante a Reforma na Alemanha, autoridades de várias regiões do Sacro Império Romano-Germânico pressionadas pela população e pelos luteranos, expulsavam e mesmo assassinavam sacerdotes católicos das igrejas,substituindo-os por religiosos com formação luterana;
4.       Lutero era radicalmente contra a revolta camponesa iniciada em 1524 pelos anabatistas liderados por Thomas Münzer, que provocou a Guerra dos Camponeses. Münzer comandou massas camponesas contra a nobreza imperial, pois propunha uma sociedade sem diferenças entre ricos e pobres e sem propriedade privada, Lutero por sua vez defendia que a existência de "senhores e servos" era vontade divina, motivo pelo qual eles romperam.[16] Lutero escreveu posteriormente: "Contras as hordas de camponeses (...), quem puder que bata, mate ou fira, secreta ou abertamente, relembrando que não há nada mais peçonhento, prejudicial e demoníaco que um rebelde".
(WIKIPEDIA)

Os três movimentos, datados entre os séculos XVI e XVIII, marcam sem dúvida mudanças mundiais em muitos setores. Num primeiro momento o poder está centralizado e tudo é divinamente inspirado; num outro, a relação entre Deus e Homem passam a ser questionadas. Para a sociedade, as mudanças trazidas pelos movimentos, de certa forma, são benéficas, visto que todas tiram a centralidade do poder e coloca na mão de cada indivíduo comum o controle mais direto de tudo ao seu redor. O homem pôde produzir para si mesmo; acessar o conhecimento; participar das decisões.


 REFERENCIAS
SHEEHAN, Jonathan. The Enlightenment Bible. Princeton University Press: 2005. p. 1-25
- http://www.portalconscienciapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia-moderna/o-principe/
- http://materiasvestibulando.blogspot.com.br/2010/01/renascimento-iluminismo.html
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Humanismo
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Iluminismo
- https://www.significados.com.br/iluminismo/
- http://www.suapesquisa.com/historia/iluminismo/
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Reforma_Protestante

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Traduções de bíblias na Inglaterra

A bíblia é dividida em Antigo e Novo Testamento. O Antigo Testamento foi escrito por profetas assim como é seguido pela tradição judaica. O Cristianismo incorporou em sua bíblia o Novo Testamento que falava do nascimento de Cristo, sua vida, morte e ressurreição. De acordo com o Cristianismo, o Novo Testamento foi escrito pelos apóstolos após a morte de Jesus Cristo. Conforme a religião cristã foi se expandindo, algumas traduções começaram a ser feitas e o latim acabou se tornando a língua oficial cristã com o decorrer dos séculos.
O cristianismo foi por muito tempo governado pelo papa e por Roma no qual latim era a língua para a comunicação religiosa pois era a língua em que as bíblias eram escritas e as missas eram celebradas. Dessa forma, as pessoas somente tinham acesso às escrituras através do latim. As tentativas para se traduzir as bíblias para línguas vernáculas eram desencorajadas. Contudo, as primeiras bíblias em línguas vernáculas começaram a aparecer na Europa no século XVI.
            Na Inglaterra, o Rei Henrique VIII, após discordar de alguns princípios e restrições da igreja Católica, se desvinculou da igreja de Roma. Assim, o rei fundou a Igreja Anglicana que já não tinha mais o papa com figura principal, dessa forma foi declarado que o rei seria o único chefe da igreja na Inglaterra. Com o Movimento Reformista na Europa, as traduções para o inglês passaram a ser proibidas no país. Esta também era uma tentativa de impedir o crescimento do Luteranismo na Inglaterra. Somente as versões de São Jerônimo, que tinham tradição milenar, eram permitidas. 


Vulgate Gospels

Página da bíblia traduzida por São Jerônimo
Vulgate Gospels, Northern Italy, sixth century. Gospel of St Mark 1
BL Harley MS 1775, f. 144 
Copyright © The British Library Board



        Contudo, poucas pessoas conseguiam ter acesso às escrituras, pois somente as mais bem escolarizadas tinham conhecimento sobre o Latim. Assim, William Tyndale traduziu do latim o Novo Testamento para o inglês com a intenção de que o conhecimento das escrituras pudesse ser acessado pelo povo. Contudo, seu trabalho foi considerado herege na Inglaterra e suas publicações foram banidas do país e posteriormente ele foi executado. O rei teve um papel principal para a produção de autoridade das bíblias vernáculas na Inglaterra.


Tyndale New Testament

Página do Novo Testamento traduzido por William Tyndale
William Tyndale's New Testament, Worms (Germany), 1526. Gospel of John (beginning) 
British Library C.188.a.17
Copyright © The British Library Board

De acordo com Sheehan (2015), enquanto o Protestantismo progredia, a Bíblia Inglesa seguia seu fluxo, assim a Bíblia de Genebra foi a primeira bíblia autorizada e teve seu início sem a sanção de um rei. Ela seguia as versões gregas e continha anotações de rodapé. Os editores colocaram essas anotações de modo a esclarecer algumas palavras e passagens que pudessem de certa forma parecer obscuras para os leitores. Por volta de 1560 e 1611, a Bíblia de Genebra era altamente difundida na Inglaterra, mas por volta do século XVII ela passou a ser vista como um símbolo de destruição do poder dos Reis. As anotações de rodapé passaram ser vistas como parciais e falsas. Assim, o Rei James convocou um grupo de letrados para que traduzissem a bíblia mantendo-as mais próximas da realidade dos escritos originais e assim surgiu a Bíblia do Rei James (King James Bible). Contudo, essas traduções acabaram sendo proclamações do rei que foi visto como aquele que deu vida à Bíblia. As anotações da Bíblia de Genebra foram retiradas em 1611, mais tarde as anotações foram disponibilizadas separadamente e nunca mais foram publicadas juntas. Já a Bíblia do Rei James foi criada conscientemente sem anotações de modo que ela se tornasse menos controversa.

King James Bible

Página da Bíblia do Rei James
King James Bible, London, England, published by Robert Barker, 1611. Gospel of St John 1
BL C.35.l.11, signature 2I31
Copyright © The British Library Board

Ao contrário do Cristianismo Romano, na Inglaterra a autoria do Novo Testamento não foi atribuída aos apóstolos e ainda assim foi considerada um livro sacrossanto. Por volta de 1644, a Bíblia de Genebra parou definitivamente de ser publicada fazendo com que a Bíblia do Rei James se estabilizasse como aquela que detinha a Palavra de Deus em inglês.
Para Sheehan (2005), as traduções bíblicas foram um grande marco para a quebra das tradições de um passado medieval. O autor argumenta que ao mesmo tempo em que houve essa quebra de tradição, começou outras grandes tradições religiosas. As bíblias vernáculas se tornaram populares e com a Bíblia de Lutero começou a se espalhar a ideia de que as pessoas poderiam ter acesso às palavras de Deus desde a infância. Contudo, os estudos bíblicos continuaram acontecendo em Latim. Entretanto, tanto na Alemanha quanto na Inglaterra, não houve contato com as versões vernáculas. A partir do final do século XVII não houve mais traduções de bíblias, os letrados já não se interessavam mais pelos textos do Antigo e do Novo Testamento, mas sim sobre as histórias bíblicas e cronologias.

Reference
Sheehan, Jonathan, 2005. The Enlightenment Bible : translation, scholarship, culture. Princeton University Press, pp. 1-25

Oline references
http://www.bl.uk/onlinegallery/sacredtexts/images/zoomify/kingjameszoom.html
http://www.bl.uk/onlinegallery/sacredtexts/images/zoomify/tyndalezoom.html
http://www.bl.uk/onlinegallery/sacredtexts/vulgategosp_lg.html

A Reforma Protestante



A Reforma foi uma revolução religiosa que ocorreu no século XVI, na Igreja Ocidental, com efeitos políticos, econômicos e sociais por toda a Europa. Os maiores lideres dessa revolução foram Martinho Lutero e João Calvino. Ao longo da história da Igreja, outros já haviam tentado promover mudanças na doutrina da Igreja, mas não obtiveram êxito. 

O movimento reformista teve seu início na Alemanha, com Martinho Lutero, e logo se espalhou por outros países da Europa, ganhando cada vez mais apoiadores.(Veja mais em Lutero e sua influência na Reforma) Em resposta ao movimento reformista, a Igreja iniciou o movimento de contrarreforma. O início da revolução é marcado pela publicação das 95 teses de Lutero, em 1517, que protestava contra diversos pontos da doutrina da Igreja Católica Romana, propondo a reforma da Igreja Ocidental.

Para os reformistas, existiam cinco princípios fundamentais: sola gratia, sola fides, sola scriptura, Sola Christus e Soli Deo Gloria.  Segundo Jonathan Sheehan (2005), a insistência nos três primeiros princípios fez com que a Bíblia protestante, traduzida para a língua vernácula (Veja mais em  A Bíblia Vernacular ou Traduções bíblicas na Inglaterra), tivesse um papel fundamental no projeto da Reforma, dando empoderamento à causa.

De acordo com Sheehan, na Inglaterra, a história da Bíblia vernácula inglesa é inseparável da história da coroa e isso se mostra claro quando o Rei Henrique VIII, institui o ato de supremacia, em 1534, unindo a Igreja à coroa, fundando assim a Igreja Anglicana. 



Referências:

SHEEHAN, Jonathan. The Enlightenment Bible. Princeton University Press: 2005. p. 1-25.
http://www.monergismo.com/textos/cinco_solas/cinco_solas_reforma_erosao.htm
https://global.britannica.com/event/Reformation
http://www.museeprotestant.org/

A Bíblia Vernacular

Este texto baseia-se no Capítulo 1 do livro "The Enlightenment Bible" (A Bíblia do Iluminismo), escrito por Jonathan Sheehan, cujo tema é "A Bíblia Vernacular: A Reforma e o Barroco" (sendo o original "The vernacular Bible: Reformation and Baroque"). O livro, de forma geral, aborda os aspectos inerentes à criação da bíblia, assim como suas traduções e as relações religiosas e políticas que ela exerce sobre seus leitores. Segundo Sheehan, "a Reforma fez da Bíblia Protestante o motor da vida política, religiosa e imaginativa, um mecanismo defendido e bem amado no século XIX".


"Igualada firmemente com a Palavra de Deus e sendo atribuída com autonomia aparentemente infinita, a Bíblia proveu uma armadura teórica a movimentos que incluíram iconoclastas violentos como Thomas Müntzer, os Luteranos em Wittenberg, e os peões radicais nas florestas do sul e centro da Alemanha. Dentro de duas décadas após 1517, a autoridade bíblica foi o grito de guerra de uma série de novos movimentos religiosos que juntos prometiam mudar para sempre a natureza da sociedade européia." Alguns exemplos de movimentos reformistas citados pelo autor são o anabatismo, calvinismo, espiritualismo e o zwinglianismo.


Diferentes interpretações bíblicas começaram a emergir e ser questionadas, devido às diferenças quanto à vertente que cada versão seguia - enquanto algumas bíblias (como a Bíblia de Genebra e a Bíblia do Rei James) adotavam como base para a tradução a Bíblia Grega, enquanto outras (como a Bíblia de Tyndale) seguiam a Bíblia Latina. Consequentemente, passagens como "toda escritura é inspirada por Deus e proveitosa ao ensino" pode ser transformada em "toda escritura inspirada por Deus é proveitosa ao ensino". Tal divergência resulta da presença ou ausência da palavra grega και´("e"), e este é apenas um de outros possíveis problemas presentes nas traduções de tais escrituras.


"Historicamente, esse foi o momento em que novos tradutores surgiram. Por um lado, novas traduções trouxeram iluminação àquele abismo entre o céu e a terra. Ao chamar a atenção tanto para os livros que elas produzem quanto às diferenças que podem se esconder entre o original e a mais nova versão, as traduções bíblicas historicamente forçaram a abertura de um conjunto de perguntas incômodas, como: O que acontece com a Palavra de Deus quando ela é manipulada pela arte humana? Que papel a tradução pode desempenhar ao transmitir o mais sagrado dos ensinamentos aos ignorantes? Como pode esse produto derivado ser atribuído com poder suficiente para garantir sua própria sobrevivência e transmissão? Mas, por outro lado, tradutores cristãos da bíblia têm também escondido essa brecha, construindo pontes entre a palavra de Deus e as línguas humanas, de forma que elas possam uma vez mais parecer unificadas."

"Para todos os grandes reformadores do século XVI - luteranos, calvinistas e anglicanos - a tradução vernácula era o pilar de seus credos. 'As traduções são ordenadas por Deus, como Regulamento e constituição do próprio Céu', pois só através da tradução vernácula a Bíblia católica poderia ser desautorizada e revelada como um texto contingente usado para servir interesses humanos particulares." O autor também indica que a tradução poderia libertar a bíblia da opressão da igreja católica, além de revelar um lado humano no texto bíblico - que foi por tanto tempo santificada e idealizada.


Fonte: Fonte: SHEEHAN, Jonathan, 2005. The Enlightenment Bible: translation, scholarship, culture. Princeton University Press, pp. 1-25

Lutero e sua influência na Reforma

Fonte: British Library- Luther


Lutero rompeu com o ideal humanístico depois do discurso de Erasmo Da Liberdade da Vontade (1524).  Erasmo, parecia um aliado à Reforma, pois tentou evitar que Lutero fosse condenado e de certa forma admirou as 95 teses. Em 1519 ele envia uma carta para o Cardeal Wosley negando que tenha lido tal documento. Lutero não nega a razão natural do homem, porém opõe-se à tese humanística de Erasmo. (Skinner, 1996). O ponto de tensão entre Erasmo e Lutero se dá no fato das ações decaídas dos homens, nenhum ato pode ser justificado diante de Deus, e assim contribua para nos salvar. A tensão ocorre, pois Lutero nega a definição erasmiana de Liberdade da vontade humana capacitando o homem a se dedicar às coisas que conduzem salvação eterna e Lutero vai contra esse pensamento afirmando que se somos homens de carne estamos destinados ao pecado. Lutero chega a concepção de que o homem está destinado a perdição e não há salvação para ele, pois o ser humano está predestinado a condenação. Devido a ideia de servidão humana ao pecado Lutero entende a relação entre homem e Deus sem nenhuma esperança; Há uma contestação as teses tomistas e humanísticas, que entendiam Deus como um legislador racional, assim a doutrina – tipicamente luterana- da dupla natureza de Deus. Há o Deus que escolheu revelar-se no verbo, cuja vontade pode ser “pregada, revelada, oferecida e adorada”, mas há também o Deus escondido, cuja “vontade imutável, eterna e inescrutável” não pode ser compreendida pelo homem. (Skinner,1996)
Depois que Lutero se instalou no mosteiro agostiniano de Erfurt, uma epifania ocorreu a ele quando lia os salmos, o que mudou sua doutrina e sua forma de ver a justiça de Deus. Sob a tutela de Johann von Staupita, seu conselheiro espiritual, Lutero trouxe uma teologia nova, com base na qual ele pode atacar o papado. Com sua nova teologia, ele foi capaz de expor o conceito de justificação de forma consistente. Ele se afasta da ideia patrística da justificação como um processo gradativo de erradicação dos pecados do fiel, mas vê a justificação como uma consequência imediata “de uma fé que assimila’’, nessa concepção o pecador é capaz de alcançar a justiça de Cristo por si mesmo, de modo que ele se torna um com Cristo. O fiel ao mesmo tempo é um simul justus et peccator – a um só tempo, pecador e justificado. (p.290)
            É por meio da graça redentora de Deus que Lutero consegue resolver o dilema entre o Velho e novo testamento. O velho testamento ensina o homem a conhecer a si mesmo e a incapacidade de praticar o bem, enquanto que o novo testamento reconforta o homem, pois a salvação é alcançada por meio da fé. Essas ideias trazem a luz a teologia luterana, é por meio de Cristo que o homem alcança a salvação.  A teologia de Lutero é uma teologia crucis (teologia da cruz) no qual sacrifício de Cristo continua sendo chave de nossa salvação. A igreja para Lutero é algo invisível, constituída dos fiéis e não uma instituição física. O tratado “Sobre os concílios e a igreja “Lutero enumera os sinais considerados necessários para distinguir o “povo santo cristão” de um mero grupo de papistas. No Manifesto 1520, por ele escrito, o reformador sustenta que todos os crentes e não somente os sacerdotes devem socorrer os seus irmãos. Todos assumem a responsabilidade por um bem estar espiritual. Não há necessidade de um intermediário, todos podem se relacionar com Deus. (Skinner, 1996)
            A teologia de Lutero trouxe consigo implicações políticas importantes. A primeira delas é que ele repudia a ideia de que a Igreja possui poder de jurisdição, detendo de autoridade para regular a vida cristã. A venda de indulgências era algo que Lutero não concordava, pois através desse comércio da fé a igreja afirmava a remissão de pecados dos fiéis. “[...] Ele chegara à conclusão de que, se um pecador atinge a fidúcia, será salvo sem a igreja; se não a atinge, nada que a igreja faça jamais poderá ajudá-lo (Skinner,1996, p294).  Em 1521 ele denunciou (O veredito de Martinho Lutero sobre os votos monásticos) a vida monástica por violar a “liberdade evangélica”. A vida monástica seria contrária ao censo comum e à razão.
            A igreja genuína não é atingida, pois ela consiste num reino espiritual, mas com a teologia de Lutero, se cria um “sistema de Igrejas nacionais independentes, nas quais o príncipe detém o direito de nomear e demitir sacerdotes e bispos (skinner,1996. p.296).” O papa e o imperador não teriam mais poderes paralelos e autoridades seculares teriam agora poder de jurisdição. O texto de São Paulo (início do capitulo da Epístola aos romanos) diz que devemos sujeitarmos às mais altas potestades, e tratemos os poderes existentes como provindos de Deus. O texto tornou-se durante a Reforma, o texto mais citado a respeito dos fundamentos da vida política.
            Lutero acreditava que nenhum súdito deveria se submeter as atitudes ímpias de seus governantes, podendo rejeita-las, mas devido a revolta camponesa de 1524 ele afirmava que todo homem devia se submeter às autoridades constituídas. Assim Lutero define princípios condutores exercendo influencia na nossa história. O Novo testamento, para ele e principalmente as cartas de São Paulo, trazem a concepção de conduta adequada a seguir na vida social e política consistindo em plena “submissão do cristão às autoridades seculares” (Skinner 1996, p. 301)

O Rompimento com Roma: As autoridades seculares e seu papel

Vários governantes além das autoridades seculares das cidades alemãs decidiram adotar o fator essencial desse credo político da reforma de Lutero. A proteção de vários líderes luteranos foi concedida. Frederico I deu continuidade ao que Cristiano II, imperador dinamarquês fez, permitiu que a Biblía fosse publicada em vernáculo.
            Um fato interessante é que Thomas Cromwell, um reformista inglês representou um manifesto anticlerical que “provavelmente ele escrevera em nome da Câmara dos Comuns em 1529 e que, na época, ficara conhecido como a “Súplica da Câmara dos Comuns contra os Ordinários” (Skinner 1996, p.366 apud.Elton,1951, pp.517,520). O manifesto “adquiriu estatuto de advertência oficial, sendo entregue pelo rei à assembleia do clero denominada Convocação, com a solicitação de que essa deliberasse formalmente sobre as queixas ali contidas (Skinner, 1996, p.366).”  Houve consequências e a primeira dela foi uma Resposta em que as autoridades da Igreja defendiam suas jurisdições tradicionais. O próprio Rei criticou essa resposta e em 1532, houve a Submissão do Clero, na qual abandonava qualquer pretensão a uma atividade legislativa independente (Skinner, 1996, p.366 apud.Lehmberg,1970, p. 151-2).  O Ato de submissão foi registrado e no fim de toda essa história o clero foi obrigado a confessar todas as ordenações “que até o presente foram promulgadas” que pela Convocação tinham sido “muito prejudiciais às prerrogativas do rei e incompatíveis com as leis e regulamentos deste Reino” (Skinner 1996, p.366 apud. Elton, 1960, p. 339). Em 1530, durante a revolução que se deu a constituição de fundamentação teórica e política de separação entre Estado e Igreja que só mais tarde veio ser oficialmente advogada. Os governos dos países da Europa, como Dinamarca, Inglaterra, Suécia, etc.... aproveitaram as consequências das campanhas contra os poderes independentes da igreja para tirarem proveito.
 Graças a Thomas Crowell, as jurisdições da Igreja foram transferidas para Coroa, por causa da aprovação do Ato de Apelações, proibindo as apelações de Roma. A igreja para ele é uma parte do corpo político denominada espiritualidade, agora usualmente chamada Igreja da Inglaterra (Skinner 1996, p.368 apud.Elton,1960, p.344). O que se conclui é que o rei teria poder supremo para decidir assuntos de caráter espiritual e temporal. O rei, no caso Henrique VIII tentava ser o líder suprem da Igreja. Com o Ato de Supremacia o rei foi declarado como chefe da Igreja da Inglaterra, e a tese do Ato de Sucessão, anterior ao ato de supremacia já mostrava essa ruptura com o passado como perceberam Thomas Morus e Fisher. Após a declaração do Rei da Inglaterra como chefe da Igreja, Dinamarca e Suécia também tomaram atitudes parecidas.
           
Title page of the Great Bible, sometimes known as 'Cromwell's Bible'
Fonte: Britsh Library
A teologia Luterana foi de suma importância e Cromwell, de acordo com Skinner (1996), se dispôs a adotar uma postura luterana, fazendo uso da bíblia como arma de propaganda política ele chegou a patrocinar bíblias em língua inglesa. A Igreja da Inglaterra estava entre as igrejas que romperam com Roma. O catalisador desse rompimento se deu ao fato da recusa do Papa de anular o casamento de Henrique VIII e de Catarina Aragão, mas por trás disso estava  uma crença nacionalista Tudor 
de que a autoridade sobre a Igreja Inglesa pertencia propriamente à monarquia inglesa ¹. As ideias de Lutero ajudaram na ruptura do poder absoluto da igreja gerando disputas entre a Igreja e a Coroa.







1 - Fonte:https://www.churchofengland.org/about-us/history/detailed-history.aspx


Fonte: SKINNER,Quentin. As fundações do Pensamento político moderno. Companhia das Letras. 728. p, 1996.